Tem gente dizendo que Katabasis é um livro “difícil demais”, cheio de citações acadêmicas e reflexões que travam a leitura. Mas será que é mesmo?
Eu discordo. E depois de mergulhar nessa história, posso dizer: Katabasis é exigente, sim — mas inacessível, jamais.
Quando o “difícil” é só diferente
A impressão de que o livro é complicado vem, em parte, da expectativa errada.
Quem entra em Katabasis esperando uma fantasia cheia de ação linear vai se frustrar — porque esse não é o foco aqui.
R. F. Kuang escreveu uma narrativa sobre descida, conhecimento e culpa, ambientada no meio acadêmico, com um toque de crítica social afiadíssima.
E sim, ela usa termos técnicos, cita filósofos, mergulha em discussões sobre ética e poder. Mas a própria autora explica tudo o que cita.
Nada fica solto — cada conceito é retomado, ilustrado e transformado em algo palpável.
O leitor não precisa ter feito doutorado pra entender o que está acontecendo — só precisa estar disposto a acompanhar um raciocínio mais elaborado.
Na verdade, Katabasis lembra muito os livros de Dan Brown nesse sentido:
cheio de referências históricas e filosóficas, mas sempre trazendo o leitor junto, conectando teoria e emoção.
A diferença é que Kuang faz isso com mais profundidade e menos pressa.
A jornada intelectual (sem spoilers)
A história segue Alice Law e Peter Murdoch, dois doutorandos em magia analítica na Universidade de Cambridge.
Quando o orientador deles morre em circunstâncias misteriosas, Alice decide literalmente descer ao inferno para encontrá-lo — e Peter, seu rival, acaba se envolvendo na jornada.
É uma trama sobre o que significa buscar o conhecimento até as últimas consequências, mesmo que isso custe a própria alma.
A viagem ao submundo é metafórica e literal ao mesmo tempo, e Kuang usa esse cenário para criticar o elitismo e a vaidade da academia — o lado sombrio do “saber demais”.
É uma leitura que pede atenção, mas recompensa em dobro.
Cada citação, cada reflexão filosófica tem propósito. E quando você percebe isso, o ritmo deixa de ser pesado e passa a ser hipnótico.
O mal-entendido da dificuldade
Grande parte das críticas negativas vem de leitores que confundem densidade com inacessibilidade.
Mas Katabasis não exige bagagem acadêmica — exige curiosidade.
Kuang segura a mão do leitor o tempo todo, explica as referências e transforma o que poderia ser hermético em algo emocional.
Se você já leu O Código Da Vinci, Inferno ou Símbolo Perdido, sabe o que é lidar com teorias e explicações longas.
A diferença é que Katabasis não se esconde atrás da ação: ele convida à reflexão.
Não é um livro para devorar em dois dias — é para saborear.
E talvez o problema esteja aí: muita gente se acostumou com histórias rápidas, mastigadas, e estranha quando um livro pede calma.
Por que vale a pena
Katabasis é o tipo de leitura que faz pensar — e isso, convenhamos, anda raro.
Ele provoca, desafia e recompensa.
A cada capítulo, você sente o peso das ideias e percebe que o “inferno” de Alice é tão humano quanto simbólico.
R. F. Kuang entrega um livro que mistura filosofia, fantasia e crítica social com a coragem de quem sabe que o leitor aguenta mais do que o mercado imagina.
Não é para quem busca leveza, mas é perfeito para quem quer uma história com substância, que fique ecoando na cabeça depois da última página.
Conclusão
Não, Katabasis não é um livro impossível.
É um convite — para pensar, sentir e sair diferente do que entrou.
Quem o chama de “difícil” talvez tenha se acostumado a correr quando a literatura pede para caminhar.
E, sinceramente? Quem sobreviveu às tramas de Dan Brown não vai se perder aqui.